terça-feira, 22 de julho de 2025

À beira

Nosso amor foi assim

Breque em calda a cada dia

Xarope de milho, meus dedos em sua boca

E o silêncio que em ti me calou

Que me travou os pés e dedilhou

As cálidas e precoces costas nuas

Que tanto deitei e vi

Diz que ainda está entre nós

Urge a plaga que cavou aqui no meu peito

Diz que nada mais há entre nós

Ama, aflita, com o nó na garganta

Encosta aqui, teu barco ainda é meu

Uma vez mais me traz o que é tão seu

Árvores sem copa, mas cheias de frutos caídos

Mortes em vida, flores secas

Ontem, hoje e sempre minha

Vívida aqui em cada ato

Outrossim, sei que ainda estou aí

Cabreiro, mas perene

Em cada pôr do sol, onde relembro o São Francisco.

domingo, 20 de julho de 2025

Piso frio

Já tem dias que morri

Nada percorre, sinapse 

Eletricidade em silêncio fúnebre

E tuas marcas de unhas aqui

Minha causa mortis, em minhas costas

Marcas que o tempo apagou

Lascas que se juntaram à carne

E sobrevivem, pele com a minha, neste tempo em que me apago

Nada fez sentido, se a lógica se impõe

Prefiro desafiar a ótica

Tenho andado arruinado, descrente, sem nada a porvir

O ódio fabricado nos descompassou

Ceifou a esperança na capa preta do silente

Seu desvio e farsa

Meu túmulo em vida.

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Impávido colosso

Neva lá fora, fresta aberta em meu peito, sangue aos borbotões

Quero abotoar a alma para que desate o nó, para que calibre a calma

Tenho remado a canoa, maneta, no horizonte em que nada há

Quase nada, quase insólita calma, toda a paz dos cemitérios


Obscurecido, desvelo o breu e sinto o absoluto silêncio

De um avião em queda, onde todos prendem a respiração

E aceno, da janela, para o tempo ido

Tempo de deleite e sofrimento de quem me traz nostalgia


Tenho sentido o teu pulsar, o teu nariz gelado

E recordado dois anos atrás, o pranto no teu colo

A carta, o cordão, o nunca mais

Os meus e os teus blefes, o nosso pôquer diário


E deslizado pelo bolso do colete

Tudo o que vivemos e o que sentimos

Na inesquecível e única certeza da vida:

A de que tudo tem o seu fim.


Menos a inefável verdade

A única que já vivi

O deleite e o emprego dos meus dons

Para sonhar do teu lado


Morremos um pouco todos os dias...

terça-feira, 20 de maio de 2025

Párnaso fecundo

Gélido cálice que virou meu peito

Que encosta na sacada quente

Abrasada pelo sol outonal

E abraça minhas próprias costas, com unhas vãs

Fahrenheit


Tanto tempo, dois anos

Deselance, blefes, bravos

Seu aplauso para o meu desvanecer

E todo o resto, a canoa, o horizonte


Tenho remado sozinho, meio troncho

No reino de oitocentos dias atrás

Preso a você, a tudo que fui

Em um poço de piche


Sem fé.

sábado, 18 de janeiro de 2025

Pelos galardões

Passagem, lápide fria

Porcelana branca riscada à mão

Retrato desbotado, meu fel ali

Estourado, escarnecido

Tempo em vão vivido, flores de plástico

E o mágico presente do teu céu

Teu ruivo em minhas mãos

Teu beijo, espinhas de rosas

E a sorte das madrugadas frias

Com piso frio, branco e alquebrado

Meu joelho, dores cálidas

Quanto tempo faz!

sábado, 23 de novembro de 2024

O que há no fim

Já fui esquálida peça

De ânsia de futuro, insano

Quando me pus em desalinho

E flertei, decerto, em morte


Hoje, nada mais há que não o oco

Entre palavras e passos,

Entre lágrimas secas que não vêm

Num vazio enorme!


Empilham-se os deveres

Encontram-se as saídas

Há muito por fazer

E pouco por viver


Me parti sem esperança

Sem lança, sem tônus

Sem nada que eu sei

Para o resto


A canoa que não recua

Mas que, furada, vê soçobrar

Aquilo que sou

Para nada além

Para nunca mais

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Perfilhar

Tenho sorvido um imenso vazio

Entre providências tão típicas

De bloqueios e ceifares

De tentar premer um botão


Há muito, não vivenciava tais dores

Agruras cotidianas, uma úlcera

Deletério desenlace, coração na mão

O afã de não levantar


Tem sido diferente

Distinto nas causas e consequências

Nada é pior do que ser tomado de amor

Quando isso já não serve de nada...